No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quinta temporada, Sara conversa com o arquiteto Tiago Rebelo de Andrade sobre o Edifício Náutico. Ouça a conversa e leia parte da entrevista a seguir.
Sara Nunes: Uma das razões deste convite foi exactamente porque tu pertences a uma nova geração de arquitectos. E essa seria a minha primeira pergunta. O que é que tu achas que esta nova geração de arquitectos pode trazer de melhor para a arquitectura e para as nossas cidades?
Tiago Rebelo de Andrade: Acho que esta nova geração de arquitectura pode trazer muitas coisas positivas, mas também algumas negativas, não é? Como a geração anterior também trouxe coisas positivas e negativas. Nós somos a geração que vem da parte... Eu nasci na era analógica, passei para a digital, quando começámos a ter telemóveis, a parte da universidade... E com o digital veio uma facilidade enorme também de ter referências internacionais que nos apoiam e ajudam também na tomada de decisão de alguns aspectos da arquitectura. Também tem o aspecto negativo porque, às vezes, vivemos muito da imagem que assistimos a ver em redes sociais, na pesquisa de sites como a ArchDaily, etecetera.
SN: Ou melhor, apenas da imagem, não é? Não vamos visitar as obras.
TRA: Exactamente. E também aplicamos algumas linguagens que, se calhar, não têm a ver com a linguagem que é do local, não é? Acho que a escola universitária de arquitectura portuguesa tem esse aspecto positivo. Pelo menos, foi assim que eu aprendi também na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), de termos algum respeito pelo sítio, pelo local onde estamos a intervir e respeitamos os materiais e as linguagens do sítio, que isso é que dá a nossa identidade. Eu acho que as pessoas quando viajam não estão à espera de ir a Lisboa e sentirem que estão em Nova Iorque. Querem estar em Lisboa. E isso é um dos aspectos que nós temos de ter algum cuidado quando também estamos a trazer e a trabalhar a arquitectura portuguesa, que quer ser portuguesa.
SN: E essa é uma das coisas que eu também acho que te define muito. Tens muito orgulho de ser português e da arquitectura portuguesa. Embora com o teu sentido crítico e com muita vontade de mudar muitas das coisas que às vezes são empecilhos [que impedem] que as nossas cidades sejam melhores, não é?
TRA: Exactamente. Eu acho que nós somos um povo extraordinário, não é? Somos 10 milhões de habitantes, somos um país que tem dois prémios Pritzker: o Souto de Moura e o Siza Vieira. Temos outros que para lá caminham, como o Aires Mateus, ou os ARX, etecetera, que também têm capacidade e qualidade arquitectónica e uma identidade que eles conseguiram criar forte, que os identifica, não é? Eu acho que os prémios Pritzker têm isso muito nessa vertente é que – apesar de muitos arquitectos dizerem: “Ah, depende do prémio Pritzker” –, muitos arquitectos que nós vemos a ganhar o prémio Pritzker têm uma linguagem muito vincada. E como, por exemplo, o Siza: ele pode estar a fazer uma intervenção na China, mas não deixa de ter a sua linguagem vincada, mas também não deixa de ter uma preocupação com o local, não é?
SN: É verdade. E o projecto sobre o qual vamos falar hoje é um edifício de habitação colectiva, que se situa em Cascais. Foi um projecto que nasceu de um concurso promovido pela Câmara Municipal de Cascais porque este espaço já estava devoluto há mais de 15 anos. Conta-nos como é que foi o processo e o início deste projecto.
TRA: Nós aqui tentamos seleccionar bem os concursos em que participamos porque acho que todos os arquitectos sabem que na maior parte dos concursos... Foi uma conversa que tivemos há pouco... [Existem] concursos públicos que, muitas vezes, não vão para a frente e depois é muita gente a concorrer para um projecto e a qualidade é muita em Portugal, felizmente. E os critérios depois são difíceis de avaliar. [Existem situações em que] eu entro num concurso público e faço um tipo de arquitectura que tem um guião, respeito esse guião e ganho, mas depois no concurso a seguir o guião é idêntico e eu com a mesma fórmula acabou por não ganhar.
Este concurso do Edifício Náutico foi um concurso que era promovido pela Câmara Municipal de Cascais e tinha a vertente de ser um promotor – para tornar esse projecto real – que trouxesse investimento e que conseguisse fazer lá o projecto. [Sei que] estas coisas também se fazem de sorte. Um dos promotores – eram cinco promotores que estavam ligados ao projecto – conheço-o desde que nasci praticamente. [Foi esse promotor] que nos desafiou para ser a parte da arquitectura nesta proposta que se ia apresentar à Câmara para desenvolver aquele projecto. Era um edifício que estava devoluto, penso que esteve ligado ao BPN, ou assim... Mas não queria entrar nesse tema.
SN: Sim.
TRA: [O edifício] ficou devoluto. Tinha crescido mais dois pisos do que era suposto para aquela volumetria do quarteirão e ficou embargado durante muito tempo. A Câmara, para tentar resolver aquele problema, lançou um concurso, mas nesse concurso... era um concurso que maioritariamente... Quer dizer, tinha de ser... Maioritariamente não é a palavra correcta... [Era um concurso em] que tinha de ser trazido alguém com capacidade de investimento para o desenvolver. A Câmara sentia que ela própria não conseguia resolver sem ter alguém que investisse por detrás e, nesse pressuposto, tinha de trazer também uma imagem arquitectónica para o edifício.
Depois isto foi um concurso... Foi dos primeiros concursos lançados pela Câmara de Cascais nesta vertente. Eles próprios o disseram e não tinham tido a experiência ainda de o fazer. Nós tivemos muito pouco tempo para desenvolver o projecto. O conceito arquitectónico do projecto foi desenvolvido em duas semanas.
SN: Ok! (risos)
TRA: E se calhar o conceito inicial não tinha muito a ver com o conceito final porque também a arquitectura precisa de dormir.
SN: Precisa de tempo.
TRA: Precisa de tempo. O arquitecto precisa de ir para casa e sonhar com aquilo que está a fazer e ter os pesadelos com aquilo que está a fazer para depois perceber o que está a fazer de errado. Foi um processo também muito apressado nesse sentido também do ponto de vista do licenciamento do projecto para poder cumprir com prazos que eram muito fechados.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a quarta temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- Tomás Salgado do ateliê Risco
- Filipa Guerreiro e Tiago Correia
- Teresa Nunes da Ponte
- Pedro Campos Costa
- José Carlos Nunes de Oliveira
- Pedro Bandeira
- Correia/Ragazzi Arquitectos
- Samuel Gonçalves, do atelier SUMMARY
- Diogo Brito do OODA
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.